Retrocessos Ambientais e a pesada mão do patriarcado branco sobre os destinos da natureza e dos povos

É interessante que às vésperas da COP 30 no Brasil, quando as autoridades do país devem estar empenhadas em mostrar-se comprometidas com as medidas de enfrentamento às crises climáticas, estejamos testemunhando tanta pressão e retrocessos ambientais.

Numa rápida e incompleta lista podemos citar: a aprovação pelo Senado Federal do PL da Devastação, que confere aos setores produtivos a plena confiança de avaliar e autolicenciar seus empreendimentos, enquanto as comunidades tradicionais gritam a ausência de participação e direito de decisão sobre as formas de uso e ocupação dos territórios; a aprovação pela Assembleia Legislativa junto com o Governo do Ceará, da Lei do Zoneamento Econômico Ecológico, mediante negociação de direitos de participação e legitimidade do autoreconhecimento das comunidades tradicionais, excluídas de participar nessas negociações; a falta de consideração do Governo do Ceará e Federal em relação ao que vem sendo dito pelas comunidades afetadas pela energia eólica, e o ato deliberado de privilegiar os setores produtivos em políticas chamadas de transição energética; o ato do Governo do Ceará de assumir para si a pauta do envenenamento pulverizado, privilegiando o agronegócio, frente aos sabidos danos dessa prática à saúde, segurança e soberania alimentar; as contradições em entregar a transição energética ao mercado das renováveis, e aumentar investimentos na indústria do petróleo, e mais ainda, projetar sua exploração para os território sagrados da Amazônia, em pleno século do apelo oficial à redução das emissões de Gases de Efeito Estufa.

Para este texto, importa dizer inicialmente que as lutas por justiça ambiental, seja nos territórios, nas organizações e nos movimentos socioambientalistas, não são, e nem tampouco podem ser, vistas e tratadas como romantismos solitários e isolados de sujeitos diletantes e catastróficos, que não enxergam o mundo real e agem de forma deliberada para impedir o progresso geral. Não existe justiça ou mesmo democracia ambiental sem a ruptura com a falta de consideração política, econômica e intelectual com quem diariamente enfrenta os conflitos ambientais no Ceará e no Brasil.

Para os sujeitos que fazem as lutas por justiça ambiental, não é difícil fazer uma lista robusta e consistente sobre inúmeras questões que se interseccionam nestes conflitos, desde a insegurança territorial e contaminação dos ecossistemas, até as metodologias racistas e patriarcais, a agudização das injustiças e intensificação das violências, seus riscos inerentes e fundamentos estruturais. Também se quiser saber sobre impactos climáticos e formas de garantir sustentabilidade ambiental, não é pouco o que esses sujeitos podem contribuir. Além disso, não existe imprecisão sobre como e porquê a degradação socioambiental acontece, quem está envolvido, e demais pormenores da situação, fartamente vividos, registrados, documentados, gravados e publicizados.

No que se refere à Zona Costeira, podemos afirmar em letras garrafais que a degradação dos ecossistemas, as transformações negativas e a inviabilização dos direitos conquistados nos territórios pesqueiros, indígenas e quilombolas, têm sido consequência direta e indireta de megaprojetos econômicos, decididos, implementados e operacionalizados sob o comando de setores privados, empresariais, e do Estado. É seguro afirmar também que um dos maiores entraves para a conservação ambiental e garantias de direitos é o fato das políticas econômicas estarem marcadas pela supremacia dos interesses de proprietários de terra, indústria da pesca, indústria portuária, turismo, carcinicultura, energia, agronegócio, exploração de minério e cadeia do petróleo.

Ocorre que, o interesse não está destituído de corpo, e não é rara a ‘coincidência’ de num mesmo corpo viver o dono da terra e o político, nem tampouco difícil visualizar a branquitude nas relações e espaços de convivência e entorno desses corpos, que não enfrentam em seu cotidiano os riscos, impactos e danos de suas próprias decisões. Em contraparte, a política e economia que se sobrepõem sobre os destinos da natureza e dos povos, são territórios brancos interseccionados: uma expressão exata do patriarcado branco cujos corpos, valores e condições de conforto são considerados os mais importantes, os que direcionam, os que sabem o que é o certo para todo mundo. Aliados e entrecruzados, o Estado e os chamados setores produtivos, hierarquicamente instituídos como ‘únicos’, e como se nos territórios não houvesse produção e sustentabilidade, tomam a economia e a produtividade dos “outros” como passíveis de submissão e negociação desleal, naturalizando a precarização do presente e os riscos do futuro.

Portanto, não estamos falando apenas de impactos, ou de uma ou outra forma de reduzi-los mediante negociação de direitos, estamos falando das estruturas desiguais de poder, reconhecimento e legitimidade para decidir sobre o que são os danos, os riscos e os impactos ambientais e sobre o que fazer quanto a isso. Essa compreensão não está alienada das condições hegemonicas do capital, seus valores e metódos, não se tratando apenas de legítima defesa, mas de apontar e propor sobre desafios básicos da democracia brasileira, como é o privilégio branco sobre o poder e a riqueza, e as mazelas sociambientais consequentes não só sobre a vida das populações afetadas diretamente, mas sobre as condições do próprio planeta.

O que vemos na verdade é que, aquilo que deveria ser passível de responsabilização, se transforma em privilégio e aquilo que deveria ser objeto de proteção se transforma em mercadoria. O investimento no retrocesso ambiental e no aprofundamento de políticas e práticas que degradam os ecossistemas e violentam os corpos e os territórios dos povos, se sobrepõem sobre as urgências das crises climáticas. Isto, mais do que negando suas contradições, se afirma categoricamente como solução, explicitando que a dominação do interesse econômico é interseccionado com a dominação política, jurídica, intelectual, cultural e do poder de narrativa legitimada nos corpos, ideias e condições de conforto de quem vê a como natureza oportunidade de mercado e os direitos como lenda e burocracia. E é assim também que pela via ambiental os homens brancos continuam decidindo sobre a vida de mulheres, da população negra, povos indígenas e seus sujeitos de direitos, numa relação obrigatória, extremamente desigual e tóxica, por excelência.