Agrotóxico: julgado e condenado
Tribunal Popular dos Agrotóxicos reuniu sociedade civil em busca de justiça e deu seu veredito
No dia 31 de outubro de 2024, o Auditório da Faculdade de Direito da UFC, em Fortaleza, foi palco do Tribunal Popular dos Agrotóxicos, que reuniu a sociedade civil para debater os impactos dos agrotóxicos no Ceará e no Brasil. Terramar participou, através de Soraya Tupinambá, como parte do Júri.
Os tribunais populares são iniciativas da sociedade civil que encenam a denúncia e defesa de determinado assunto, visando a responsabilização de crimes e mobilização da sociedade em torno do assunto. A estrutura do Tribunal dos Agrotóxicos foi composta por 9 testemunhas de acusação, 3 de defesa, 5 peritos, um advogado de defesa, outro de acusação e um juiz. Foram expostos relatos, pesquisas e argumentações, que denunciam o uso indiscriminado de veneno no Brasil. Cientistas, agricultores, agricultoras, experimentadores e pessoas diretamente afetadas pelos agrotóxicos estiveram presentes, compartilhando suas vivências e levantamentos.
De acordo com o dossiê Agrotóxicos e Violação dos Direitos Humanos no Brasil, a responsabilização das empresas pelo uso de agrotóxicos é uma questão urgente. Comprovadamente tóxicos, esses produtos afetam não apenas os trabalhadores rurais, mas toda a população. Segundo a ANVISA, em 2020, um terço dos alimentos consumidos no Brasil estava contaminado por agrotóxicos, impactando diretamente a saúde pública.
Em 2023, a aprovação do PL 1459/2022 (conhecido como PL do Veneno) centralizou o registro de novos agrotóxicos no Ministério da Agricultura, retirando a responsabilidade da ANVISA e do IBAMA. A exclusão desses órgãos pode facilitar a aprovação de substâncias potencialmente perigosas, elevando os riscos à saúde e ao meio ambiente.
A psicóloga Márcia Xavier, moradora da Chapada do Apodi, foi a primeira das nove testemunhas de acusação a falar no Tribunal e denunciou que foi vítima dos agrotóxicos diversas vezes. “Eu costumo dizer que o agrotóxico me fez vítima três vezes. Na primeira vez, tive uma infecção de pele que foi o pontapé inicial para o papai (Zé Maria) perceber que a água estava contaminada — eu tive uma dermatose. A segunda foi o assassinato dele, em razão da luta contra os agrotóxicos, especialmente a pulverização aérea. E a terceira foi quando minha filha foi diagnosticada com puberdade precoce, um efeito comprovado da exposição aos agrotóxicos”, relatou Márcia.
A historiadora Israelita Martins, moradora do Assentamento Maceió, relatou sobre os casos de câncer reincidentes em sua comunidade e da certeza que tem, “que a gente está com veneno em nosso corpo e nas futuras gerações.” Complementa, que a contaminação se dá apesar do consumo de alimentos produzidos com princípios agroecológicos por sua família: “A gente leva esse veneno para mesa, porque mesmo que a minha mãe (agricultora familiar) não produza com agrotóxico, minha mãe utiliza o solo e utiliza a água, que é contaminada por essas toxinas.”
Entre as testemunhas também falou a doutora Lia Giraldo da Silva A., com longa trajetória na pesquisa dos danos de agrotóxicos na saúde do trabalhor e na saúde reprodutiva. Em sua fala, entre outras argumentações, enfatiza a importância do desmonte da falácia de que o agrotóxico em si poderia ser usado com segurança. “Não há uso seguro dos agrotóxicos”, afirma.
Magnólia Said, coordenadora técnica no Esplar, destaca: “Em tempos de fake news, de construção de falsos consensos e de imposição de um pensamento único como resposta às crises humanitárias, ambientais e territoriais, nada mais necessário do que a realização de um tribunal popular, onde se pode tirar o véu que cobre os impactos irreversíveis que os agrotóxicos vêm causando em nossas vidas.”
Após escutar os relatos das vítimas diretas do veneno, e as argumentações de ambas as partes, o Tribunal Popular dos Agrotóxicos deu o veredito: o uso de agrotóxicos foi condenado pela sociedade e pelas comunidades presentes.
Chega de veneno!
A iniciativa do Tribunal foi promovida pelo Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria, com o apoio da CESE, Fundação Heinrich Böll, Pão para o Mundo e em parceria com os mandatos dos deputados Missias do MST e Renato Roseno, o Instituto Terramar e o Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária (NAJUC/UFC).