Audiências pública: mudanças climáticas atingem pescadoras do Rio Jaguaribe, elas solicitam um seguro já!

#AprovaPLdasPescadorasArtesanais

Cerca de cem pescadoras se reuniram, no dia 08 de maio, com representantes do estado, município e organizações não governamentais, para debater soluções de enfrentamento aos danos causados pelas fortes chuvas no estado do Ceará. O aumento das águas doces no Rio Jaguaribe tem gerado insegurança alimentar e financeira às pescadoras do estuário do Rio. “O Búzio tudo morto”, nos conta Maninha, pescadora de Jardim/Fortim. 

A audiência pública “Execução do Plano de Apoio às Mulheres Pescadoras/Marisqueiras das comunidades pesqueiras dos municípios Fortim e Aracati, impactadas pelo Rio Jaguaribe” (assista na íntegra) foi presidida pelo deputado estadual Renato Roseno (Psol), que resgatou um breve histórico dos impactos já sofridos pelas pescadoras da região do Rio Jaguaribe, citando o derramamento de petróleo em 2019, a pandemia a partir de 2020, e, desde 2023, a mortandade dos mariscos devido a fortes chuvas. Cleomar Ribeiro, pescadora do Quilombo do Cumbe, ressalta: “A articulação das mulheres se inicia no derramamento de petróleo em 2019.” e acrescenta “E eu digo que nós mulheres somos guardiãs e cuidadoras dos territórios, das famílias, da comunidade. E aí saindo de uma pandemia, a gente ainda se depara com as mudanças climáticas. Estamos vivendo dentro do território, grandes desequilíbrios. O que a gente faz de defesa desse território, desse rio e desse mangue, gente, não é brincadeira! Estamos num processo muito desafiador, muito adoecedor. Porque para nós mulheres, essa luta é diária.” 

“As pescadoras estão lutando há muito tempo por um auxílio emergencial”,  ressalta Francisca Carneiro, mais conhecida como Tica, pescadora de Jardim do município de Fortim. “Precisamos muito desse auxílio. Tem pescadora na nossa comunidade que sobrevive só do pescado. Então nesse momento estamos passando por dificuldades. Quando chegam as águas doces na nossa comunidade, não temos apoio nenhum”. Tica afirma a importância de um auxílio/seguro defeso para estes períodos de escassez do marisco e o reconhecimento da função de pescadora, através do Projeto de Lei das Pescadoras Artesanais do Ceará. No ano passado, já haviam acontecido chuvas similares com os mesmos efeitos sobre o marisco. O professor Alexandre Costa sublinha o que o poder público deve fazer diante dos inúmeros indícios de reincidência de eventos como esses: “É necessário que a gente combine o que chamamos de adaptação climática, ou seja, preparar-se para o que já é inevitável, tendo política consistente e permanente. Não é para ficar só no emergencial. Não é para chorarmos as mortes do Rio Grande do Sul, e repetir a mesma situação. Nós não podemos sujeitar nossas pescadoras e marisqueiras a um novo quadro de calamidade, se um outro evento desse vier. É preciso, que já seja política!”

“Já estamos sendo impactadas com as mudanças climáticas”, observa Cleomar Ribeiro, pescadora e Quilombola do Cumbe, que no seu cotidiano percebe desequilíbrio no Rio Jaguaribe, como diminuição das espécies, aumento da água doce no estuário e o marisco morto. Ela afirma a importância de iniciativas que garantam seguridade econômica e alimentar, para as mulheres pescadoras, “Estamos vivendo uma emergência, tem pessoas passando fome”, e fez uma chamada aos governos estaduais e municipais “olhem para nós, vamos dialogar”. Ana Nobre, assessora do Instituto Terramar, reitera esse apelo aos governos: “Porque a vida de 1500 mulheres, mapeadas até agora, mas são muito mais, em situação de insegurança alimentar e económica, não está sendo considerado um estado de calamidade? Os efeitos ambientais e climáticos têm impactos para todo mundo, mas não da mesma forma. 

Que a gente não tenha resistência em declarar um estado de calamidade, se não estaremos reproduzindo cada vez mais os efeitos do racismo ambiental.”

As duas prefeituras presentes, de Fortim e Aracati, se colocaram à disposição para encontrar resoluções para a problemática. Djacira Silvério, representante do município de Aracati, informou que a prefeitura fez um cadastramento de pescadores na Vila da Volta, onde identificou 62 marisqueiras. O Quilombo do Cumbe ainda vai ser atendido. O representante de Fortim, Tiago Gurgel, se comprometeu com um eventual benefício, “Nosso município nasceu a partir de uma vila de pescadores, precisamos de políticas públicas que fortaleçam a pesca artesanal”. Paula Queiroz, da Secretaria de Proteção Social, ressaltou a importância dos municípios em dialogar com o Estado, “estão previstas diversas oficinas”. Em resposta às falas dos representantes municipais, o deputado Renato Roseno reforça que “é muito importante que os auxílios e benefícios eventuais, como cestas básicas, já sejam feitos pelos municípios, mesmo que dentro de seus limites”. 

Tem uma situação de insegurança alimentar e quem tem fome tem pressa.” 

O Ceará não possui um dado exato sobre a quantidade de pescadoras no estado. A invisibilidade deixa as profissionais vulneráveis a situações de emergência, como esta que está acontecendo no litoral leste. Entre março e abril de 2024, a secretaria da pesca do Ceará, iniciou um cadastramento, segundo Josué Neto, representante da secretaria, ”Já é possível identificar em torno de 1500 pescadores. Esse número pode aumentar.” O cadastramento foi um dos encaminhamentos da primeira audiência conquistada pela incidência das pescadoras no ano passado. Além dele, foi também instituído um GT composto por organizações não governamentais, equipamentos do estado (SEMA, INCRA, SPS, CEREST, DPU, SEC de Pesca, Semace, SDA, IDACE, SEPIR), universidades e pescadoras. Sobre a situação de emergência das trabalhadoras da pesca, ele demonstrou apoio aos municípios. Em relação aos cadastramentos, Soraya Tupinambá, coordenadora no Instituto Terramar, alerta: “Estamos nesta lida há muito tempo. Na época do derramamento de petróleo, as comunidades que não estavam registradas no IBAMA como impactadas, não foram reparadas. E as pescadoras e pescadores que não tinham cadastro, não receberam auxílio emergencial. A minha sugestão é que esses cadastros virem leis municipais. Porque essas leis poderão ser usadas em derramamentos de petróleo, em períodos de escassez de mariscos, para futuros problemas que nós poderemos ter, diante do que já podemos ver com o clima.” 

Nós precisamos ser reconhecidas. (Francisca Carneiro – Tica)

Outra pauta central desde a primeira audiência é a garantia de direitos trabalhistas. As pescadoras ainda sofrem discriminações na busca de seus direitos, mesmo quando possuem o Registro de Pesca, elas encontram dificuldades em ter acesso a aposentadorias, auxílio doença, licença maternidade. A queixa maior das mulheres é a visão racista do INSS, “eu tenho até medo de pintar o cabelo, sabe? Porque o INSS diz que a gente não é pescadora. Eles acham que a gente tem que tá suja de lama”, disse Fátima Ramos de Oliveira, mais conhecida como Nina, pesadora do Fortim. Gerôncio Costa, gerente executivo do INSS, observa uma mudança na política do órgão: “Não fazemos mais entrevistas rurais. Hoje tudo é feito de forma remota, analisamos os documentos.” Segundo ele, enquanto antes era possível identificar agricultores e pescadores sem documentação a partir da entrevista especializada, hoje a documentação se torna incontornável. Em resposta a isso, Ana Cristina, assessora do Instituto Terramar, relembra que, “ na audiência passada, uma das pautas das mulheres era que o INSS também estivesse nos territórios. Porque é considerado um avanço essa transformação do processo todo para o formato online. Mas estamos falando de territórios que às vezes não têm acesso à tecnologia.” Em relação a documentação  exigida, ela observa que: “Há anos não são mais tirados RGPs (Registro Geral da Atividade Pesqueira). Além disso, tem a dificuldade das pescadoras pagarem a colônia para conseguir esse RGP. A lei permite que um cadastro comprove a atividade. 

Então é muito importante o diálogo entre INSS e Secretaria da Pesca, porque o cadastro que está sendo feito, poderia substituir o RGP.”   

Há também o fato de que elas não têm acesso ao seguro defeso, diferente de outras categorias de pescadores, que pescam no mar. A demanda pelo seguro é uma solução mais estruturante e diminuiria os impactos da paralisação da pesca. 

Encaminhamentos 

Dos encaminhamentos, entre solicitações e compromissos ficaram de comum acordo entre os participantes das mesas e plateia, os seguintes pontos:  

1. Marcar uma reunião técnica entre INSS, Secretaria da Pesca do Ceará, Ministério da Pesca, e entidades parceiras;

2. Decretar estado de emergência para os municípios de Fortim e Aracati, onde pescadoras sofrem com as mudanças climáticas, enfrentando insegurança alimentar e financeira, para facilitar o acesso aos benefícios emergenciais;

3. Realizar cadastro das pescadoras no município de Paracuru;

4. Realizar um estudo sobre a reprodução dos mariscos e cheias do rio para subsidiar seguro defeso;

5. Visita técnica da Defensoria Geral da União (DPU) nos territórios afetados pelas chuvas;

6. Prefeituras solicitarem à SPS demandas municipais dos benefícios emergências;

7. Ficou marcado para o próximo dia 20 de maio a primeira reunião do Grupo de Trabalho com as mulheres pescadoras;

8. Pressionar a votação, na assembleia legislativa, do Zoneamento Ecológico Econômico da Zona Costeira do Ceará (ZEEC);

9. Votação e  aprovação do projeto de Lei das Pescadoras Artesanais do Ceará;

10. Reunir um conjunto de propostas de adaptação às mudanças climáticas e rever a proposta de lei (2019) junto com a Secretaria do Meio Ambiente; 

11. A Secretaria de Pesca finalizar o Cadastro Estadual das Pescadoras do Ceará.                

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