Secretaria Geral da Presidência da República visita comunidades afetadas por renováveis no Ceará para dialogar sobre horizontes de Justiça Socioambiental 

Essa semana muito se falará de energias renováveis e dos erros cometidos com suas implementações até aqui. Será que os governos serão capazes de considerar as propostas vindas da sociedade civil e reformular o modelo de projetos e de implementação que tem impactado tantas comunidades e ecossistemas brasileiros, principalmente nordestinos? Começou hoje uma visita da Secretaria Geral da Presidência da República ao Ceará para buscar soluções justas para os conflitos e danos socioambientais gerados por empreendimentos de energia renovável. 

Entre os dias 18 a 21 de março, a comitiva do governo federal visitará 5 municípios para dialogar com comunidades afetadas e ameaçadas, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, entidades de defesa dos direitos humanos e órgãos governamentais do Ceará. A comitiva conta com representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Ministério da Saúde (MS), Ministério de Minas e Energia (MME),  Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Incra, Idace, FETRAECE e Secretaria Geral Da República. A visita pode ser considerada como decorrência de 20 anos de enfrentamentos de injustiças e denúncias da sociedade civil contra os danos do modelo de implementação de energia eólica e solar no Nordeste brasileiro.  

Frente a crise climática e ambiental, não há dúvida da necessidade de enfrentamento às mudanças climáticas. Uma das tantas urgências, certamente, é a transição energética, sobretudo se adotada pelos países que mais emitem CO2 no mundo. Mas a estratégia de aumentar a geração de energia nos modelos de monocultivo, megaprojetos, degradação e racismo ambiental não pode ser emplacada como a única saída possível para essa crise. A transição energética tem que ser justa, isso significa dizer que o governo federal e estadual precisam se implicar em uma mudança de rota. Na presença dos representantes do Governo federal aqui no Ceará, desejamos chegar a critérios e medidas que precisam ser incorporadas na política energética e climática, para que a transição não siga ocorrendo às custas de territórios e populações tradicionais, negras e indígenas, persistindo no caminho da injustiça e do racismo ambiental. 

Para citar apenas alguns horizontes de debate: 

1. Mega empreendimentos privatizam territórios gigantes de usos múltiplos, aproveitando-se da falta histórica de regularização fundiária. Não é razoável que licenciamentos sigam avançando em territórios que ainda não tenham passado por regularização fundiária.

2. As usinas renováveis estão gradativamente ocupando territórios de produção de alimentos, ameaçando a soberania e segurança alimentar de muitas populações. Enquanto agricultores já perderam terra agricultável, pescadores se vêem hoje sob a séria ameaça da extinção da pesca artesanal caso as projeções de implantação de eólicas offshore se realizem. No Ceará, a pesca artesanal fornece 60% do pescado comercializado no estado – um alimento saudável, vindo de uma prática sustentável e ecológica, e de grande relevância para a cultura alimentar local. Por tudo isso, não podemos aceitar megaprojetos no mar territorial, principal área usada pela pesca artesanal.

3. Comunidades que já foram obrigadas a sacrificar seus territórios para geração de energia, seguem na pobreza energética com contas de luz impagáveis e acesso instável à energia. Comunidades e populações que já foram impactadas pela alteração de seus territórios, precisam receber atenção e políticas de compensação e mitigação dos danos, e não só elas.

O Ceará pode contribuir no planejamento e ordenamento marinho-costeiro para evitar muitos dos danos que presenciamos. Pesquisadores acadêmicos têm realizado pesquisas relevantes que revelam dados sobre as condições sociais, territoriais, econômicas etc. que precisam ser levadas em consideração. Por exemplo, mapeamento realizado pelo Laboratório de Cartografia da Universidade Federal do Ceará (Labocart-UFC) indica  a presença de 324 comunidades tradicionais autodeclaradas na Zona Costeira cearense e reúne informações diversas sobre os usos e ocupações de seus territórios. 

Percurso da Comitiva

Aconteceu hoje a primeira Mesa de Diálogo, em São Benedito, na Serra da Ibiapaba. O coordenador de projetos da Secretaria Geral da Presidência, Fábio Tomaz, ressaltou:  “A transição energética é importante, mas tem que ser feita nas condições do projeto político que a concebeu. Não pode ser feito da forma como tem sido”. O encontro contou, com diversas comunidades da região da Ibiapaba: Cáritas de Tianguá, Cachoeira do Boi Morto, Cacimba, Jardim, Povo Indigéna Tapuya Kariria e representantes dos Sindicato dos trabalhadores rurais de Tianguá, Carnaubal, Ibiapina e Ipueiras. As comunidades presentes pontuaram, em todas as falas, a falta de consulta desses empreendimentos na região. “Em uma comunidade de 500 famílias, apenas 24 estão dentro do cadastro da empresa. Não há escuta dessa população. As comunidades precisam ser ouvidas” (Francisca Morais- Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tianguá) 

A partir de amanhã, a comitiva segue seu percurso pela Zona Costeira, começando por Camocim, e na quarta-feira, por Acaraú e Amontada. Na quinta-feira, a agenda culminará numa Mesa de Diálogo em Fortaleza, na ALECE, às 14h. Nela, o Instituto Terramar lançará o estudo de caso “Impactos socioambientais da cadeia produtiva da energia eólica na comunidade tradicional de Caetanos de Cima (Amontada-CE)” que elenca muitos desses danos para a comunidade, seus modos de vida e ecossistemas a partir da experiência de eólicas terrestres.

Para mirar uma transição energética de fato justa e popular, a justiça deve ser pensada a partir da realidade das populações locais e das relações Norte e Sul globais. É importante que o Brasil e outros países do Sul não assumam uma corrida pela substituição de combustíveis fósseis em detrimento de enfrentamentos locais necessários para mitigação do efeitos das mudanças climáticas, como a necessária recuperação e conservação dos ecossistemas fundamentais e dos modos de vida a estes associados, concebendo a política climática desde a participação efetiva dos povos.

Fotos: Carla Vieira
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