COP28: Falácia verde e vitória do lobby do petróleo

Os recentes acontecimentos políticos da agenda do Clima e Energia no Brasil e no mundo escancaram como o discurso de transição energética é uma licença fictícia para exploração de novos nichos lucrativos de mercado seguindo o velho roteiro de desconsideração ao meio ambiente, populações, modos de vida e biodiversidade. Esses acontecimentos expressam ainda como as mudanças climáticas e seus significativos impactos sobre o Planeta, com consequências piores para populações vulnerabilizadas, não estão no centro do jogo, e sim interesses dos poderes econômicos e políticos de governos e corporações, em searas desiguais na geopolítica mundial e no interior dos próprios países. 

O Cinismo da Conferência das Mudanças Climáticas no país do Petróleo 

A 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP28, aconteceu este ano em Dubai, de 30 de novembro a 12 de dezembro, e reuniu cerca de 90 mil pessoas e 198 “partes” ou seja, os 197 países e a União Europeia. A ausência de um acordo para eliminar os combustíveis fósseis, principal expectativa para o evento e presente no rascunho inicial do texto do encontro na primeira semana, foi um derrota para o campo socioambiental devido ao forte lobby da indústria do petróleo que marcou essa edição, o que escancara a primazia do poder econômico sobre as crises ambientais e humanitárias que se agravam com as mudanças climáticas.  

Terminando hoje, a Cúpula apresentou um texto, depois de muita demora pela falta de consenso, sem real compromisso com a eliminação global de todos os combustíveis fósseis. O texto trouxe um objetivo para as nações de fazer a “transição de combustíveis fósseis”, mas sem perspectivar sua eliminação progressiva total. Importante destacarmos que os Emirados Árabes Unidos, país anfitrião do evento, é o sétimo maior país produtor de petróleo do mundo, detentor de mais de 80% das reservas de petróleo do mundo, e é conhecido por cercear a liberdade de expressão de sua população, vigiar e perseguir ativistas

A Conferência das Partes das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas é um encontro anual entre países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), elaborada em 1992 na ECO-92 diante do alerta da crise climática e da urgente necessidade de estabelecimento de metas e parâmetros globais para evitar catástrofes resultantes do aumento da temperatura global. Organizada para debater políticas e responsabilidades na mitigação desse quadro, em atenção ao cumprimento do Acordo de Paris, a COP recebe tanto representantes dos poderes políticos, quanto pesquisadores, empresários e organizações da sociedade civil. 

Considerado “frustrante”, o evento foi também marcado pela falta de diálogo e consulta dos governos às sociedades civis de seus países sobre o tema em seus painéis e resoluções. 

Enquanto a polêmica em torno da falta de comprometimento com ações efetivas para frear o aumento de 1,5 ºC da temperatura global em relação à escala pré-industrial se desenrolava, o que se logrou inserir no texto final, os ministros da energia dos países da OPEP planejavam a Cúpula Árabe de Energia, para acontecer no Qatar. Importa destacar os relatos de que o chefe da OPEP, Haitham al-Ghais, instou os membros do grupo petrolífero a rejeitar qualquer acordo da COP28, segundo a organização social MOCICC.  Já o presidente da COP28, o petroleiro Sultan al-Jaber, CEO da petroleira ADNOC, teve revelada durante a COP pelo jornal The Guardian sua nada surpreendente posição sobre a eliminação  dos combustíveis fósseis em uma videoconferência em que Jaber afirma não haver respaldo científico para essa necessidade.

“Acabem com os combustíveis fósseis” Protesto de ativistas em Dubai, durante a COP28
“Fim da Era Fóssil”, protesto de ativistas pede o fim dos combustíveis fósseis em Dubai, durante a COP28

Além da falta de diálogo e de compromisso efetivo com o fim da exploração dos combustíveis fósseis, no que diz respeito às matrizes renováveis, reiterou-se a hegemonia de uma perspectiva estritamente econômica da descarbonização presente nas mesas temáticas e resoluções políticas e econômicas adotadas pelos países. Pouco ou nada levaram em consideração, apesar dos esforços e incidência da sociedade civil, a pobreza energética expressiva a nível mundial, o racismo ambiental, o problema da concentração de projetos no Sul Global para atender a demandas por energia, sobretudo, europeias, ou os já estudados e comprovados impactos socioambientais da chamada Energia Limpa.

A contradição brasileira sob a máscara da “transição ecológica”

A guinada política brasileira das últimas semanas corroborou com esses descompromissos e contradições na agenda do Clima. O presidente Lula, apesar de seu tão enfatizado Plano da Transição Ecológica, confirmou a entrada do Brasil para a OPEP+, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo, formada por 13 membros somada aos 10 maiores  países produtores de petróleo bruto; nas vésperas da COP, A Câmara dos Deputados aprovou o PL 11247/2018, atualmente renumerado como PL 5932/2023, como parte da agenda “verde” do Congresso Nacional para a Cúpula. Objetivado regulamentar as eólicas offshore e viabilizar os lucros das empresas interessadas na exploração de hidrogênio verde, o projeto de lei foi aprovado às pressas, sem passar pelas comissões, e, por mais irônico que seja, por dentro dele foram incluídas concessões à exploração de combustíveis fósseis. Também podemos adicionar à lista do retrocesso ambiental brasileiro o chamado “leilão do fim do mundo“, que acontece hoje, 13 de novembro, no Rio de Janeiro, ofertando a concessão de 603 blocos de exploração de petróleo em terra e mar, correspondentes a 63% do total no Brasil, 2% do território nacional, dos quais 94,2% possuem ao menos uma sobreposição, ou um conflito em relação a alguns dos critérios estabelecidos nas Diretrizes Ambientais da própria Agência Nacional do Petróleo (ANP) ou a alguma Política Ambiental, como revelam os estudos e cruzamentos de dados feitos pela Arayra.org. No Ceará, o Quilombo Córrego de Ubaranas em Aracati vai ser diretamente impactado. Quatro dos seiscentos e três blocos loteados estão localizados em território do quilombo, que batalha por sua titulação, onde vivem 61 famílias que habitam a Bacia Sedimentar Potiguar há pelo menos 7 gerações. Os quilombolas e as outras populações afetadas não foram consultados sobre o leilão.

Essas contradições, no entanto, não são novidade, mas partes de um fluxo em curso da desenfreada busca por lucros a despeito da crise climática e dos direitos dos povos. Ainda este ano, o Ministério de Minas e Energia havia lançado um programa de escala da exploração de petróleo visando a passar do 9º maior para o 4º maior produtor mundial de petróleo. Além disso,o governo brasileiro pressionou por licença de exploração de petróleo na foz do Amazonas e vem assinando uma série de memorandos de entendimento de exploração de hidrogênio verde sem planejamento marinho espacial, consulta às populações, elaboração de cartografias sociais e estudo de impacto da exploração de eólicas offshore em mar tropical.

Transação energética injusta e impopular

“É mais uma perspectiva corporativa do que uma preocupação com o destino da humanidade e enfrentamento às mudanças climáticas.”. Essa colocação foi feita por Soraya Vanini Tupinambá, coordenadora do projeto De Mãos Dadas Criamos Correnteza no Ceará, representante do Instituto Terramar e da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) em entrevista ao jornal Brasil de Fato desta semana, onde utilizou o trocadilho “transação energética” para citar a prevalência dos interesses econômicos na acelerada busca por implementação de projetos de energia renovável, sobretudo no sul global.

Na entrevista, Soraya criticou  a ausência de perspectiva social do impulsionamento exponencial de energias eólicas e solares no Brasil, reiterados na COP28, como a entrada do Brasil na Aliança Global da Energia Eólica e o compromisso firmado entre 118 países, incluindo o Brasil, por triplicar a produção de energia renovável até 2030

Soraya, que esteve na Cúpula entre os dias 05 e 12 de dezembro a convite da Fundação Rosa Luxemburgo e articulação da Conectas , emitiu através das redes sociais do Instituto Terramar um alerta para toda sociedade civil brasileira: “Se vê com muita estranheza a liderança do Brasil erodir, e temos clareza de que a COP 30 no Brasil pode ser um giro geopolítico, mas isso exige uma liderança firme e direção incontornável, inquestionável, inquebrantável em relação ao abandono dos combustíveis fósseis. Infelizmente não é isso que estamos vendo o governo brasileiro promover. Seja através das diretrizes anunciadas pela Petrobras, seja pela política de energia, seja pelas afirmações ambíguas e contraditórias de sua liderança mundial no processo de enfrentamento às mudanças climáticas que é o presidente Lula.” e conclui: “É preciso agir a tempo, é preciso que a sociedade brasileira pressione o governo brasileiro na recondução de sua política.”

Na COP28 foi lançada a Aliança Global em Defesa dos Manguezais, ressaltando sua importância na redução do aquecimento global e o seu potencial como solução para as alterações climáticas.

Daqui a dois anos o Brasil sediará a COP30 em Belém-PA, e a sociedade civil precisa se preparar desde já para ajudar a evitar a consolidação do retrocesso corporativista, descompromissado com a vida, que marcou mais uma Cúpula do Clima. Enquanto isso, urge seguir na pressão pelo fim da exploração das matrizes fósseis, bem como da mineração ostensiva, da destruição dos biomas, da contaminação dos solos e das águas, da implementação de megaprojetos em áreas de preservação e habitadas por comunidades tradicionais e do genocídio dos povos – resultado de tudo isso.

É preciso vontade efetiva de mudança e comprometimento com a vida

Na realidade mundial, as catástrofes e emergências climáticas seguem alimentadas por modelos predatórios de usos e ocupação da natureza e pela tragédia do racismo ambiental sobre os povos do Sul Global, cujos territórios e ecossistemas seguem demandados em larga escala, agora também, pela “economia verde”, supostamente centrada em tecnologias e governanças alheias às causas populares no enfrentamento às crises climáticas. 

Focar o debate apenas nas emissões de gases de efeito estufa, sem ter em mente a gritante e acelerada degradação da natureza, embaça a visão de elementos políticos e econômicos que marcam as relações entre países e nos territórios-nações, e os privilégios das grandes corporações. Isso, fragiliza na prática, quaisquer metas de redução de emissões, já insuficientes e, sob muitos aspectos,  inviabilizadas por causas estruturais que mantêm intactas as desigualdades de poderes políticos, econômicos, culturais, militares, midiáticos e tecnológicos. 

Do ponto de vista ético, e das conquistas civilizatórias, é preciso, no mínimo, frear todas as violências e violações de direitos que daí decorrem, assim como a naturalização de genocídios, extermínios e precarização dos destinos dos povos e da diversidade socioculturais.   


Fotos: Soraya Vanini Tupinambá
A participação do Instituto Terramar na COP28 ocorreu graças à Fundação Rosa Luxemburgo, colaboração da Conectas e apoio da União Europeia. O Institututo Terramar conta ainda com apoio da Sociedade Sueca pela Conservação da Natureza e da Pão Para o Mundo. O conteúdo desta publicação é de exclusiva responsabilidade do Instituto Terramar e não reflete necessariamente a posição de seus apoiadores. Se você pode e deseja apoiar o Instituto Terramar, acesse https://terramar.org.br/doacao/ e contribua com o nosso trabalho!