Pescadoras e Marisqueiras do Rio Jaguaribe lotam auditório da Assembleia Legislativa

As marisqueiras são mulheres que batalham/São mulheres que trabalham/Para a vida sustentar/Elas conhecem/Sabem tudo sobre os rios, suas águas, sua riqueza/Que alegram seu viver…(Música de Tiana Castro,Quilombo do Cumbe)

Na tarde do dia 23/08, mais de cem pescadoras  participaram da audiência pública “Marisqueiras e Pescadoras do litoral do Aracati e Fortim na luta por direitos”. Abrindo os trabalhos de forma afirmativa e como protesto, elas cantaram, recitaram poesias e com faixas que diziam “e eu não sou uma pescadora?” e “eu sou uma pescadora!” (frase inspirada em “e eu não sou uma mulher?” de  Sojourner Truth), provocaram o Estado sobre as dificuldades de acesso a direitos trabalhistas e previdenciários, o não reconhecimento da função de pescadora, a falta de políticas públicas, como seguro defeso, acesso ao kit Pesca e auxílios do governo estadual e federal.

“O que precisa provar no INSS, que eu sou uma pescadora? Minha carteira não basta se estou no rio todos os dias?” perguntou Luciana Santos, ao falar sobre o sistema de previdência que costumeiramente nega direitos a sua categoria de trabalho. E continuou: “O marisco todos os anos sofre com as chuvas, durante seis meses ficamos sem marisco, e por que não temos direito ao seguro? É preciso construir seguros e benefícios para as mulheres”. Juntas a ela na mesa da audiência, outras pescadoras relataram sobre:  adoecimento ocupacional; riscos de ferimento por anequim, um tipo de peixe venenoso; a falta de visita das colônias nos territórios para reconhecimento da categoria; benefícios como o bolsa família, que são bloqueados durante o seguro defeso do companheiro; a construção de projetos de leis que reconhecem a função das pescadoras e marisqueiras e suas autonomias; disposição do INSS e das Colónias em acompanhar e garantir esses direitos. 

Em resposta, Sérgio Oliveira representante do INSS, afirmou que o seguro defeso é garantido desde 2015 e que não há diferença no tratamento dos servidores com as marisqueiras, e na intenção de falar de acessibilidade destacou que  atualmente 95%do atendimento ocorre de forma virtual. Ressaltou que as marisqueiras são seguradas especiais e que não é obrigatório estar associada para ter acesso aos benefícios. Em contraponto, Camila, do CPP, pontuou justamente as dificuldades das marisqueiras de acesso a internet, solicitou ao INSS e da Secretaria da Pesca  uma caravana nos territórios pesqueiros para explicações sobre Registro Geral do Pescador (RGP), formação sobre como podem acessar os benefícios e cadastramentos, já que muitas dessas trabalhadoras têm pouco acesso escolar, e ressaltou a  importância de um monitoramento intersetorial: saúde – território – reparação social. Acontece que, no Ceará,  o seguro só é garantido  aos pescadores de lagosta e piracema, deixando claro a diferença de gênero quando o assunto são benefícios, pois somente os homens têm acesso, já que as mulheres ainda são vistas como ajudantes de seus parceiros, não reconhecendo seu importante papel na cadeia produtiva da pesca artesanal.          

   

O rio Jaguaribe é um lugar de renda e vida dessas mulheres pescadoras, que o abraçam como uma extensão de seus corpos. Elas denunciam as transformações que o rio vem sofrendo nos últimos anos, como a mortandade da vegetação e dos mariscos. Em chamada de vídeo, Aldena Santos, que é pescadora da Canavieira, afirmou: “ Não tem marisco vivo para a pesca!”, o que gera 

dificuldades econômicas com a escassez do alimento. Elas solicitam do Estado um maior monitoramento para identificar o que está causando essas mortes, e acompanhamento dos licenciamentos abusivos dado pelo Estado para construções na margem do rio, liberação para criação de camarão em cativeiro (Carcinicultura), dentre outros. Liliane Guedes (gestora de análise e monitoramento da SEMACE), pontuou: “ Só (se) licencia o que se pode fiscalizar!”. Sabemos que na prática não é bem assim, já que a carcinicultura é liberada para ter autolicenciamento e autofiscalização, e destacamos ainda que mesmo diante do apontamento da presença de metais pesados bioacumuláveis no rio Jaguaribe em pesquisa recente do Instituto Terramar e Fiocruz, a representante da SEMACE respondeu que estes não estavam sendo monitorados até que um equipamento – cromatógrafo, aparelho que faz a identificação de substâncias – estivesse disponível para uso na secretaria. A conclusão diante desta fala da representante da Secretaria do Meio Ambiente responsável pelo monitoramento ambiental é que os agrotóxicos e suas consequências para a saúde dos ecossistemas e das pessoas não estão sendo monitorados no Ceará, ao passo que os empreendimentos seguem sendo licenciados sem levar em conta esses dados Perguntada sobre previsão para um prazo para utilização do tal equipamento, Liliane disse não conseguir dizer.    

Ana Nobre do Instituto Terramar, ressaltou a importância do Rio Jaguaribe na vida das pescadoras e todo o processo de violações sofrido por elas, seja com o derramamento de petróleo, que já se passaram quatro anos e nada foi feito; a falta de monitoramento do rio e possíveis contaminações por metais pesados; a não publicação do ZEEC e a falta de precisão nos números de pescadoras e pescadores artesanais no Ceará; a necessária titulação quilombola e regularização fundiária no estado para resguardar as comunidades e seus modos de vida; e por fim  a importância de estadualizar a carteira de marisqueiras. Sobre esse último ponto, ressaltamos que na fala do vice-secretário de pesca do Ceará, Evaldo Bringel, o mesmo afirmou não ter um números precisos sobre a pesca artesanal, mas que há uma estimativa de que existam 22 mil registros (8 mil regularizados). Esse número precisa ser atualizado para efetivar direitos e as políticas públicas tanto para pescadores quanto para pescadoras, em suas diversidades de formas de trabalho.

Representando o governo federal, Cristiano Ramalho (Secretário Nacional da Pesca Artesanal) ressaltou que no início de agosto (02/08) foi lançado o Programa “Povos da Pesca Artesanal”, com políticas de fomento destinadas a mulheres pescadoras. No Plano Nacional da Pesca Artesanal, também está previsto a criação de GTs mulheres, legislação e territórios, para pensar juntos em políticas públicas para a categoria. 

Dos encaminhamentos da audiência, foi proposto que o estado do Ceará reconheça as mulheres como pescadoras, pois ainda não consta nenhuma legislação estadual para a categoria. Atualmente no Brasil somente os estados da Bahia e do Pará reconhecem as profissionais através de legislação específica que lhes assegure direitos. Além do reconhecimento, as pescadoras solicitaram a criação de um auxílio emergencial; um seguro defeso para o período de estiagem do Rio Jaguaribe; uma maior fiscalização aos empreendimentos próximos ao rio, monitorando e verificando a qualidade de suas águas; a distribuição de “kits de pesca” que contemplem as trabalhadoras, atualmente acessados apenas por pescadores homens, e que elas sejam consultadas sobre os equipamentos necessários; à elaboração de um projeto de lei nacional para as mulheres pescadoras.         

A audiência pública foi uma articulação do Conselho Pastoral de Pescadores, do Movimento de Pescadores e Pescadoras, da Articulação Nacional de Pescadoras, do Mandato “É tempo de Resistência”, da Terramar e das pescadoras e marisqueiras dos territórios: Quilombo do Cumbe, Canavieiras, Fortim, Vila da Volta, Majorlândia e Guajirú. 

Agradecemos a participação das mulheres pescadoras presentes na mesa: Luciana Santos, Francisca Carneiro (Tica), Gracinete Rodrigues, Mônica Freire, Lourdes Lima, Aldena Santos, e todas as outras que estavam na plenária, bem como  Camila Batista, representando a Comissão Pastoral de Pescadores (CPP). E dos representantes do poder público: Cristiano Ramalho (Secretário Nacional da Pesca Artesanal), Sergio Oliveira (INSS), Cinthia Stuart (Proteção Social) Liliane Guedes (gestora de análise e monitoramento da SEMACE), Evaldo Bringel (Vice-Secretário da Sec. da Pesca do Ceará), Carlos Alexandre (analista ambiental do IBAMA), Luis Ernesto (Cientista Chefe – Labomar), Mara Tavares (Titular CEREST/CE), Bartolomeu Cavalcante (chefe de gabinete da Ematerce), Dr. Fernando (Defensor Público da União) e do Deputado Estadual Renato Roseno, mediador da mesa.