Visita guiada de SSPN por Belezas e Desafios da nossa Zona Costeira

Recebemos uma visita especial semana passada. Duas representantes da Sociedade Sueca pela Proteção à Natureza (SSPN), parceira estrutural da nossa atuação. Amira e KitWa conheceram e dialogaram presencialmente com nossa equipe na sede do Terramar. Em seguida nos acompanharam a campo para conhecer de perto primeiro um dos territórios que acompanhamos e que concentra em si a resistência a um acúmulo de conflitos socioambientais característicos da Zona Costeira: o Quilombo do Cumbe.

Aproveitamos o tempinho antes do almoço para atravessar logo o Parque Eólico Aracati, para chegar à praia, território ancestral de pesca da comunidade do Cumbe. Hoje somente comunitários podem fazer essa travessia, garantia conquistada após muita pressão popular para que a empresa concordasse em permitir a passagem, que antes era livre e costumeira para a pesca e o lazer. Na atualidade o acesso só se realiza com a condição que alguns comunitários se responsabilizassem formalmente pelo risco à própria vida corrido na travessia. 

Na praia da margem direita do Jaguaribe, as turbinas ilegalmente estão a poucos metros do mar. KitWa indagou: “Como isso é permitido?” Do outro lado do rio, na margem esquerda do rio, vimos uma série de construções à beira mar e à beira rio, outra ilegalidade segundo a nossa constituição. Como isso é permitido?

Voltando para o almoço, as visitantes provaram as delícias do manguezal – Sururu e Tainha – e seguimos a tarde para uma imersão nesse ecossistema. Ronaldo nos guiou a barco pelas camboas  do Jaguaribe, neles observamos os currais de pesca, um pescador aplicando a técnica do cerco com rengalho, os aratus se escondendo com a nossa presença, a diversidade de aves se multiplicando com a maré baixa e a fartura de alimentos expostas para eles. Vimos  também o assoreamento do rio (aumento de sedimentos no leito) que deixa a região da foz do rio cada vez mais rasa para navegação e impacta a vida dos mariscos. Vimos também a mortandade de extensas áreas de mangue próximas às fazendas de camarão, mortes decorrentes da contaminação química a partir dos efluentes, e do comprometimento do fluxo de água doce via cercamento e barramento de fontes. “Foi aqui que eu cresci e minha mãe catava ostras”, relata Luciana, Quilombola do Cumbe. 

À noite, demos um pequeno pulo em Canoa Quebrada, para exemplificar como o próprio turismo convencional e de massa é mais uma das ameaças a comunidades como a do Cumbe. E caímos mais uma vez, na tentativa de explicar às visitas, os conflitos fundiários cujas origens  só se explicam olhando para a história colonial antiga, porém persistente no Brasil. As dinâmicas atuais seguem permitindo que uns se apossem das terras e consigam expulsar aqueles que permanecem sem direitos à terra e território, assim como seus ancestrais. Assim, a comunidade nativa de Canoa Quebrada, como tantas comunidades de maioria negra e indígena desprovidas da regularização de seu direito àquele território, foi desapropriada e empurrada para a periferia da atual vila que gira em torno do turismo convencional de massa, com a maioria das estruturas de hospedagem, alimentação e lazer na mão de donos estrangeiros. Nesses casos os trabalhos que restam aos nativos, são aqueles subalternos e mal pagos.

A noite culminou no Cumbe com uma conversa riquíssima entre as parceiras visitantes e os quilombolas que puderam estar com a gente nessa noite.

Visitamos também outro vizinho do Quilombo do Cumbe, a praia do Pontal de Maceió, do outro lado do rio Jaguaribe. Lá testemunhamos outro cenário aterrorizante: uma etapa intermediária do processo de especulação imobiliária, com loteamento e construção em APPs. A praia que em 2020 ainda era de comum acesso, acessada e usada cotidianamente para a pesca artesanal da região, hoje está no pico da ocupação indevida, com todo território cercado, dividido em lotes e parecendo um massivo canteiro de obras. Em cada lote com construção em andamento, uma placa sinalizando a conivência do governo municipal. 

Para retornar àquilo que nos move, apesar desse avanço feroz do capital, passamos ainda pela Resex Prainha do Canto Verde, onde conversamos com Bia, jovem liderança que relatou às visitas sobre a organização da Associação de Moradores da Reserva Extrativista e da Rede TUCUM (Turismo Comunitário). A prainha, assim como o Cumbe, apresentam em sua resistência outras propostas de Turismo, que são protagonizados pelas pessoas nativas da comunidade, que definem o turismo que querem oferecer em seu território, conduzem as experiências para que visitantes entrem em contato com os modos de vida, culturas e produtos ancestrais e locais. “É isso, não é o turista ou empresa de fora que deve definir o turismo que vocês irão oferecer, e sim, vocês do território.”, afirma Amira. 

Quando tentamos traduzir a realidade para alguém que nos visita de fora, evidenciam-se tanto as entranhas estruturais dos problemas aqui enfrentados, como a grandiosidade das resistências que aqui persistem. Agradecemos a visita sensível, parceira e construtiva das nossas companheiras da SSPN e desejamos que venham mais oportunidades como essa.