Conjuntura socioambiental na Zona Costeira é tema de debate

A conjuntura socioambiental na Zona Costeira do Ceará foi o tema que promoveu o encontro, na última terça-feira (7/6), entre moradores/as de comunidades da Zona Costeira, militantes de movimentos sociais e ambientais e acadêmicos/as que constroem estudos sobre o assunto. O debate, organizado pelo Instituto Terramar e pelo Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza (CDPDH), integrou a programação da Semana do Meio Ambiente 2016.

Para dar início ao momento, algumas pessoas foram convidadas a tecer considerações sobre os últimos acontecimentos da política nacional e como isso impacta a vida das comunidades. A militante do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) Martilene Lima, o militante da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas (Confrem) Beto Ribeiro, a militante socioambiental Soraya Tupinambá e a jovem militante comunitária de Caetanos de Cima Vylena Sousa abriram o espaço com reflexões acerca da garantia dos territórios, devastação ambiental, mudanças na legislação e organização comunitária.

Dentre os diversos elementos apresentados, Beto destacou a defesa da terra e do território pelas comunidades frente aos grandes projetos de desenvolvimento, apontando a correlação entre as diversas intervenções desenvolvimentistas e como elas afetam todos os locais. Depois, Soraya jogou para a roda a necessidade do fortalecimento de processos coletivos, ainda que com dificuldades, uma vez que o avanço das políticas sociais garantidas entre 2003 e 2011 não foi acompanhado de um avanço da cidadania política. “Nós temos que ganhar forças no encontro dos pequenos”, ela frisa. Vylena, por sua vez, sublinha: “A juventude é algo para agora”, acrescentando a necessidade de pensar as perspectivas dos jovens nas comunidades, como o turismo comunitário, que, inclusive, desconstrói outras possíveis consequências de grandes projetos turísticos, como a exploração sexual.

No espectro da política institucional, ganharam destaque as questões em torno dos decretos 8424/2015 e 8425/2015, que afetam diretamente o exercício da pesca artesanal. Sobre o assunto, Martilene destaca que esse não é um processo que começa agora, mas, desde os últimos governos, os povos da Zona Costeira vem tendo seus direitos retirados. Para ela, a perda de direitos acarreta um retorno das famílias ao ecossistemas em busca da sobrevivência, mas este, agora, encontra-se devastado e incapaz de oferecer os mesmos recursos de outrora.

Entenda os decretos

8424/2015: Vem regulamentar a lei que concede o seguro-desemprego ao pescador artesanal durante o período de defeso, definindo os requisitos para acessar esse direito, os documentos necessários para o requerimento e as hipóteses de cassação do benefício. O decreto coloca que, para ter acesso ao seguro desemprego, o pescador deve exercer a atividade de forma exclusiva e initerrupta, individualmente ou em regime de economia familiar, além de estar inscrito no Registro Geral da Atividade Pesqueira. Ademais, impede que o pescador acesse o seguro-desemprego mais de uma vez no mesmo ano, ainda que em períodos de defeso de espécies distintas e observa que a geração de renda a partir da pesca de outra espécie acarretará a perda do benefício. Trabalhadores/as de apoio à pesca artesanal não têm direito ao seguro-desemprego. A grande questão em relação a esse decreto é o deslocamento dele em relação à realidade da pesca artesanal. Em geral, a pesca é exercicida em parceria com outras atividades como a agricultura familiar, o beneficiamento de produtos e o artesanato, cada uma com sua importância dentro do sistema de subsistência da família. Além disso, uma das características da pesca artesanal é a diversidade de espécies: um pouquinho de cada espécie. Segundo o decreto, tanto o exercício de outras atividades como a geração de renda através da pesca de outras espécies seriam condicionantes da perda do benefício.

8425/2015: Regulamenta os critérios para inscrição no Registro Geral da Atividade Pesqueira, um dos requisitos para que os pescadores possam acessar o seguro-benefício em períodos de defeso, e define os requisitos para a concessão, autorização e licença para o exercício da atividade pesqueira. O RGP considera como pescador artesanal apenas aquele que exerce a atividade de captura. Assim, exclui dessa categoria as pessoas que trabalham com a confecção e reparos de ates e apetrechos utilizados na pesca, em embarcações ou em processamento dos produtos pescados. Vale destacar que, dentro do sistema econômico familiar essas são, em geral, atividades exercidas prioritariamente por mulheres que, agora, estarão privadas dos direitos conquistados pela categoria dos pescadores artesanais. Ao se considerar que as mulheres já se encontram em situações de maior vulnerabilização pela própria estrutura social patriarcalista, isso reforça ainda mais a manutenção das relações de opressão. Outra questão, ainda, é que no momento do registro, o pescador artesanal deve informar se exerce a atividade de forma exclusiva, principal, ou subsidiária – e aqui vale lembrar que direitos essenciais, como o seguro-desemprego, só se aplicam aqueles que tem a pesca como atividade exclusiva.

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