Projeto: Mulheres unidas pelas águas

A foz do Rio Jaguaribe é lugar de acolhimento, memória e modo de vida de várias mulheres do litoral leste, o encontro do rio com o mar forma uma rica sociobiodiversidade, com uma extraordinária fonte de soberania e segurança alimentar para as comunidades que habitam e convivem com os ecossistemas ali presentes: ostras, sururu, búzio, caranguejos, aratu, siri, peixes… tudo ali, próximo de suas casas ou no quintal. Nesse território, a luta das mulheres é constante para se ter um rio vivo e saudável: é contra a poluição e a contaminação química,  é contra a privatização das águas e das áreas de convivência e pertencimento comuns; é sobre direito ao trabalho, à terra e ao território, e à própria existência.

Mas para lutar, ainda mais em contexto tão perverso, é preciso ter corpo de pé, e pra isso é preciso encontrar os descansos. O projeto “Mulheres unidas pelas águas” é uma parceria entre Terramar, Naterra e as pescadoras marisqueiras de Jardim, Cumbe, Canavieira (Fortim e Arcati/Ce) é sobre autocuidado, lazer, encontro, para se acessar as forças vitais e permanecer na luta. A saúde das mulheres, assim como a saúde dos ecossistemas são fundamentais para a vida que teima em fluir, mesmo frente ao racismo ambiental praticado por empresas e pelo poder público, afetando tanto a saúde coletiva da população quanto à dos bens comuns.

” Mulheres unidas pelas águas” é um momento de fortalecimento do rio, da pesca, de nós mulheres… é roda de convivência, esse momento é para pescar, se divertir e também fazer a cartografia das águas”. (Luciana, Quilombo do Cumbe – Aracati/CE)

Foi nesse espírito trazido por Luciana, que no  vinte e dois de março, Dia Mundial da Água, aconteceu no Quilombo do Cumbe o segundo encontro do grupo de mulheres, unindo pescadoras/marisqueiras de Jardim, Quilombo do Cumbe e Canavieira.  Elas dialogaram sobre sua relação com as águas, trazendo para roda memórias de infância, de seu caminhar e o caminhar do próprio rio, traçando vidas que se cruzam em histórias comuns. Nessa troca, buscou-se romper com a imposição do “tempo único e sob pressão” do trabalho ou dos conflitos socioambientais, que têm pautado o cotidiano para muitas, e se convergir nessa relação intima, ancestral e permanente com as águas.

“Aqui a gente não tem dinheiro, mas comida tem! ”, ressaltou Lilica no Primeiro Almoço Coletivo das Mulheres Marisqueiras, embaixo de árvores, em dia nublado, sábado dois de abril, lá na comunidade do Jardim. A conversa de almoço era pelas águas, por uma ação de afirmação e imersão gastronômica, num encontro de amizade e reencontro com a ancestralidade do preparar e comer junto o sagrado alimento, cada vez mais prejudicado pela destruição ambiental.  Na mesa caranguejo, pirão de cabeça de peixe, lasanha de camarão, feijão temperado, sururu, galinha caipira, farofa de cuscuz, peixada, arroz de camarão com búzio, saladas; de sobremesa bolos, torta de limão e mungunzá doce. Bonitas e emocionantes de se ver. Foi quando Tica do Jardim falou: “Temos que dar valor ao nosso lugar e honrar nosso trabalho”.   

Ainda em abril, a conversa vai ser no mangue, pelo prazer da partilha, para catar alimento e depois “comer no mato”. Um torneio de futebol está sendo organizado, onde as equipe têm nome de marisco. Vai ser bom!