Não se muda as mudanças climáticas sem acabar com o racismo
“Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática, por isso devemos estar no centro das decisões que acontecem aqui” – Txai Suruí – única brasileira a falar no evento de abertura da COP26.
A 26ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP26), iniciou no último dia 31/10, e continua até 12 de novembro de 2021 (Glasgov/Escócia), sem a presença do presidente do Brasil, e nos dias que falou sobre a Conferência não acrescentou em nada, a não ser no acumulado de nossa vergonha internacional. Mas, não é por isso que a luta pela vida não continua e que espaços como este não sejam tensionados pela legitimidade e autodefesa dos povos em busca não só dos seus direitos, mas anunciando as urgências para a natureza e a diversidade de modos de vida e práticas intrinsecamente marcadas por relações ancestrais com os ecossistemas e a biodiversidade. Demonstram a urgência de contrapor os modelos consumistas, violadores de direitos e da vida, indiferentes às dores da natureza e à própria condição humana no planeta.
A COP mesmo com limites estruturais, é o que temos para hoje em nível das chamadas conquistas civilizatórias para enfrentamento à crise climática: líderes mundiais e diversas lideranças da sociedade civil (indígenas, quilombolas, ambientalistas) se reúnem para afirmarem acordos para a redução de práticas poluidoras para o planeta, investimentos sustentáveis e de reconstrução dos ecossistemas. Os representantes mundiais afirmam cumprir com os acordos até 2050, a ONU sugere 2030, e a sociedade civil fala no agora. “O tempo está mudando”, ressaltou Juma Xipaia na COP26, ela faz parte do Movimento Xingu Vivo pra Sempre. Esse “agora” provavelmente é também porque “Existimos e resistimos dentro dos nossos territórios”, como afirmou Sandra Pereira (CONAQ), em debate na COP26 (04/11) sobre as hidrelétricas instaladas em territórios quilombolas, indígenas e tradicionais.
Os povos prejudicados pelos modelos que geram e aprofundam as mudanças climáticas, estão conscientes dos limites da COP e do Sistema ONU, especialmente pela incapacidade de romper com as estruturas colonialistas profundas que desafiam a democracia internacional. No final das contas, a realidade do Brasil e da América Latina deixa nítido que os acordos e metas para a redução de emissão de carbono tem sido pouco mais que um conjunto de intenções. Não é possível, “adiar o fim do mundo”(como diz Krenak) sem a produção de uma reviravolta nos poderes de decisão sobre as formas de uso e ocupação dos territórios e sobre as relações políticas, jurídicas, econômicas, culturais e militares na geopolítica mundial; sem a redução da demanda de exploração dos ecossistemas para extração de minérios e petróleo, produção de energia, monoculturas; e sem a ruptura com o racismo como pensamento e prática que produz e naturaliza a dominação dos brancos e da branquitude suas narrativas, interesses e privilégios do passado, do presente e pretensões de futuro.
O Racismo Ambiental é uma categoria importante para entender o predomínio de modelos devastadores, pois é a dominação dos brancos, seus projetos e interesses locais, nacionais e internacionais que escolhe as práticas poluidoras como o desmatamento de florestas, uso intensivo de água, energia e dos solos. Se de um lado a democracia internacional reconhece os direitos dos povos, de outro quem define se esses direitos vão ou não serem aplicados são as grandes corporações de mineração, petróleo, exploração de madeira, exploração biológica, monocultura, agrotóxicos, energia elétrica, construção civil. O Estado racista é também agente produtor deste modelo: governos, parlamentos e sistema de justiça, todos os dias se dedicam a produzir violência, pobreza e degradação ambiental: incentivam empreendimentos degradadores, favorecem empresários, despejam comunidades, retiram possibilidades de moradia; privatizam áreas comuns; criminalizam os povos e suas lutas. A realidade bem real é que os megaprojetos inviabilizam a vida comunitária e os ciclos naturais: acabam, poluem ou aterram a água, salinizam as nascentes; derrubam as florestas; matam a biodiversidade.
Refletir sobre as mudanças climáticas não é garantir somente uma forma de se fazer e vender energia, ou reflorestamento, mas de gerar mudanças estruturais nas relações sociais e com os outros entes da natureza . O governo brasileiro e as elites não entendem sequer a linguagem dos direitos humanos, imagine-se a da natureza, onde os humanos são apenas parte. Contudo, garantir a consulta e a efetiva consideração dos povos e a construção da consciência de que o cuidado com o planeta é coletivo, mas tem certas gentes que tem mais responsabilidades, dívidas e obrigações, dentre elas a de considerar o mundo para além de seus próprios interesses. Seguimos atentes aos desdobramentos não só da COP, mas da realidade que nos assombra e nos mobiliza imensamente.
Cris Faustino e Carla Vieira
Artigo de opinião