Documentário “Mulheres das Águas” é lançado em Fortaleza com debate sobre a realidade das mulheres pescadoras
Às vésperas da Festa de Iemanjá, o público reunido no Sesc Iracema saudou a Rainha do Mar com a construção coletiva de reflexões sobre as ancestralidades, lutas e resistências das mulheres das águas. A ocasião foi o lançamento do documentário “Mulheres das Águas”, produzido pela Fundação Oswaldo Cruz e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, que sistematiza questões sobre o cotidiano de trabalho e saúde de mulheres pescadoras da Bahia e de Pernambuco. Além da exibição do filme, o evento contou com debate sobre o tema com o diretor Beto Novaes, a pescadora Maninha, do município de Fortim, e a agente de pastoral do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) Camila Batista.
Num debate que cruzou gênero, identidade e trabalho, as falas apresentaram diversos aspectos da questão. “É uma emoção ver a nossa história. É uma vida sofrida, mas também muito prazerosa”, demarcou Maninha após a exibição do vídeo. Para ela, o maior prazer desse modo de vida é que “você é seu dono; você não tem patrão”. Ao mesmo tempo, além do debate sobre a saúde específica da mulher pescadora, ela cobra políticas públicas de qualidade por parte do Estado, cujos servidores muitas vezes não dão o tratamento apropriado às pessoas: “a gente chega no posto [de saúde ou do INSS], chega no perito, ele não nos escuta”.
Camila, por sua vez, apresentou a histórica reflexão acerca da construção da identidade da mulher pescadora, que, para o poder público, está diretamente ligada ao debate econômico. “O que tem de reconhecimento da pesca são as espécies que tem mais valor comercial, pescadas por homens, enquanto a pesca das mulheres está relacionada a espécies de pouco valor comercial e correlacionada com as atividades domésticas e assim o Estado constrói o discurso de que as mulheres não são pescadoras, mas ajudam”, explica a agente de pastoral.
Documentário Mulheres das Águas (2017 – Fiocruz, UFRJ)
As mulheres das águas são, na realidade, de ecossistemas inteiros, numa relação íntima de convivência – e esse foi o elemento que ganhou destaque nas intervenções do público. “O vídeo mostra uma existência que não é baseada só na produção. O fazer da pesca artesanal e a relação que elas mostram como ecossistema são muito entranhadas. É preciso pensar esses modos de vida também como direitos”, reflete a coordenadora do Instituto Terramar Cristiane Faustino. Além disso, no contexto de mudanças climáticas e grandes projetos de intervenção em áreas naturais, a militante socioambiental Soraya Tupinambá destaca: “As mulheres têm sido sujeitos da resistência territorial”. Ela ainda acrescenta que os conflitos socioambientais são estruturados por um forte recorte racista, uma vez que a maior parte das comunidades de pescadoras e pescadores são de origem quilombola e indígena.
Outras questões, como as doenças ocupacionais e a incidência sobre os órgãos públicos também foram apresentadas e colocadas para debate pelas oradoras da mesa. Além do debate, o momento também foi de convocatória para que outros sujeitos se somem a esses esforços de construir uma sociedade mais justa para as mulheres pescadoras. “Quero convocar as universidades a pensar estratégias para se contrapor a essas realidades. A fala das universidades consegue atingir públicos extremamente conservadores, afinal são os doutores e as doutoras falando”, argumentou Meiry Coelho, ouvidora geral da Defensoria Pública do Estado.
O “Mulheres das Águas” faz parte de uma série de vídeos sobre saúde no trabalho produzidos pelo Projeto Educação através das Imagens, da UFRJ, que já conta com outros vídeos na mesma perspectiva. A ideia da produção, explica Novaes, não é colocar uma câmera nas costas e sair filmando, mas discutir com o movimento o que deve ser filmado e como o movimento pode utilizar esse material como instrumento pedagógico. Ele saudou a iniciativa do debate, destacando outra nuance que é o consumo de produtos midiáticos: “o tempo da reflexão é diferente do tempo da competitividade. A gente tem uma relação individualizada com a mídia; não tem tempo de refletir sobre o que a gente recebe”.