Às feministas!
Mais do que respostas institucionais sobre práticas e conceitos de políticas públicas, as incidências das mulheres organizadas, e também das não organizadas, impulsionam “sensíveis” transformações societárias. No reacionarismo contra as mulheres e outros grupos discriminados e prejudicados pela ignorância, arrogância e estupidez, percebe-se ódio acumulado em relação às bases que impulsionaram as lutas e as conquistas. Além das conquistas efetivas de direitos e da incidência sociocultural, econômica e política, essas reações revelam o ódio preexistente às diversidades, que pode ser “gerenciado” quando essas diversidades não tencionam poder e pertença tanto quanto os considerados legítimas referências de universalização, como os homens, os brancos e os heterossexuais.
Não é toa que, em tempos de fascismo, os feminismos e suas militantes estão entre as mais hostilizadas e perseguidas. Os medos que os homens têm, mesmo de um ‘feminismo’ generalizado no senso comum, se transformam em ‘monstros’ personificados nas mulheres em geral e nas feministas em particular. A crueldade, a vingança e a indiferença contra nossa inteligência e plenitude viram armas para a imposição de controle, numa ilusão de que as coisas voltem atrás. Não vão voltar. E é possível que as perdas das conquistas institucionalizadas também sirvam, ironicamente, para fortalecer o movimento: paradas é que as mulheres não vão ficar. Um dos medos mais terríveis é o de que as feministas ‘arruínem’ todas as mulheres que os desejos masculinos julgam ser para e de suas vidas. Entretanto, os que odeiam as feministas devem no fundo, saber que os feminismos não mudam só a vida das mulheres, antes ajudam a imprimir na sociedade novas formas de ver e pensar a realidade, novas tendências de reconhecimento, acolhimento e trato com as diversidades.
Tudo isso não é, não quer e não tem como ser perfeito, afinal todas as feministas, assim como qualquer ser militante estão imbricadas na sociedade que quer transformar. Difícil mesmo é a plena ‘desconstrução’. Em termos imediatos e de horizontes utópicos, os feminismos não se fazem sozinhos, se articulam, se encontram, se aliam e dialogam com pautas e sujeitos que se entrecruzam e se transformam mutuamente, complexificando e intensificando as movimentações. Essas interações nunca foram simples e não se dão sem incríveis tensões. E aí, só pra falar de algumas, as tensões raciais, étnicas e de classe social, geracionais e nas dimensões sexuais e de gênero não são questões de pouca monta.
Na verdade, sequer se pode pensar em feminismos harmônicos entre si, a não ser em alguns termos básicos que não chegam a alcançar consensos absolutos sobre quem são e o que querem ou precisam as mulheres. Entretanto, parece não ser possível mensurar o alcance do feminismo, que se pulverizou e se pluralizou, gerando campos de complexidades que fortalecem identidades feministas, mas embaralham certezas históricas. Não há como as tretas serem poucas, mas que bom que o exercício de pensar e debater sobre si próprias é parte das virtudes feministas.
Na maioria das vezes, as denúncias feministas não são questões pessoais e nem centrada nos indivíduos, mas é verdade que às vezes pode ser, pois é na vida e nas relações diretas com pessoas que vamos refletindo o mundo. De toda forma a palavra de desordem “te cura seu machista, a América Latina vai ser toda feminista” está mais para um conselho do que para uma ameaça. A maioria dos homens (senso comum ou politizados) não tem conseguido entender a mensagem, mas ainda bem que “ser toda feminista” não depende deles e não tem como base o conforto de seus privilégios.
Um abraço coletivo às cis e às trans.