Instituto Terramar denuncia ao 13º Fórum de Empresas e Direitos Humanos das Nações Unidas as violações de direitos humanos e as ameaças a defensoras e defensores ambientais provocadas por empreendimentos eólicos no Ceará

O Instituto Terramar, organização social que atua no Ceará há 31 anos na luta por Justiça socioambiental na Zona Costeira cearense, participa e denuncia violações de direitos humanos provocadas por empreendimentos eólicos ao 13ª Fórum de Empresas e Direitos Humanos das Nações Unidas, que ocorre de 25 a 27 de novembro na Suíça.

A participação vem a convite da organização SwedWatch, uma organização sueca de pesquisa independente cuja tarefa é examinar criticamente as relações comerciais com países em desenvolvimento, com foco em preocupações ambientais e sociais, de acordo com as leis e padrões internacionais de direitos humanos. 

Desde a sua primeira sessão em 2012, o Fórum anual da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos tem reunido milhares de participantes de governos, organizações internacionais, empresas, sociedade civil, sindicatos, comunidades, advogados e academia de todo o mundo.

Centrado nos princípios orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos (UNGPs) – a estrutura global oficial para Estados e empresas em relação à prevenção dos impactos adversos sobre os direitos humanos decorrentes de atividades empresariais – o Fórum oferece uma plataforma única de múltiplas partes interessadas para discutir principais tendências e desafios na implementação e avanço dos UNGPs.

Estabelecido pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, o Fórum é orientado e presidido pela ONU Grupo de Trabalho sobre Empresas e Direitos Humanos é organizado pelo Gabinete do Alto Comando da ONU Comissário para os Direitos Humanos (ACNUDH).

A SwedWacth apresentará ao Fórum trechos do relatório em processo de finalização contendo conjunto de violações de direitos humanos causadas por empresas e financiadores no ramo da energia renovável em vários países do mundo, dentre os quais o Brasil, através de comunidades quilombolas, agricultoras e pesqueiras atingidas e ameaçadas por empreendimentos eólicos no Ceará, como os impactos que o quilombo do Cumbe vivenciou e vivencia e as ameaças a 18 comunidades da região de Acaraú devido ao empreendimento Ventos do Acaraú em fase de licenciamento de instalação.

A agenda de incidência política (Advocacy) do Instituto Terramar conta com: colaboração na construção do relatório produzido pela SwedWatch; participação e incidência em painéis de discussão sobre tópicos relacionados aos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos; participação em workshops da Iniciativa Tolerância Zero sobre agenda climática e ambiental e a responsabilização empresarial sobre ela; entrega a membros do Fórum de Empresas e Direitos Humanos da ONU da publicação do projeto De Mãos Dadas Criamos Correnteza (Brasil) contendo estudos de casos de impactos socioambientais pelos empreendimentos do Complexo Industrial Portuário de Suape em Pernambuco, da Ternium (antiga TKCSA) no Rio de Janeiro, e de empreendimentos eólicos no Ceará; entrega das cartas feitas pela “Rede Nacional de Mulheres Guardiãs dos Territórios ameaçados e atingidos por Megaprojetos” elaborada a ocasião do Seminário Nacional Mulheres e Megaprojetos realizado pelo projeto De Mãos Dadas Criamos Correnteza em novembro de 2024 e “Comitê Ceará Frente ao G20 e COP30: documento referência de recomendações”, construído por organizações, movimentos sociais e lideranças comunitárias diante das agendas globais de 2024 e 2025; e entrega do documento “Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável” produzido pelo coletivo Nordeste Potência em 2023, todos traduzidos para o inglês.

A importância da responsabilização dos países e empresas sobre os financiamentos dos empreendimentos violadores de direitos humanos

Para Andréa Camurça, coordenadora do programa de Direitos Territoriais e Ambientais do Instituto Terramar e membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, que representará a instituição no 13ª Fórum de Empresas e Direitos Humanos da ONU, a importância de ir para eventos como esse é “chamar atenção na ONU sobre como empresas do Norte Global têm se implantado no Brasil, e na imensa desigualdade entre os países, o que torna difícil a construção de princípios que responsabilizem de fato as empresas pelas violações. Fóruns como esse têm participação das empresas em uma perspectiva voluntarista, e não de responsabilização pelas violações de Direitos Humanos“. 

A implicação dos países e empresas europeus é destacada ainda que as empresas dos empreendimentos sejam brasileiros, visto que na maioria das vezes eles contam com financiamento de bancos e entidades europeias, o que é o caso do empreendimento Bons Ventos (atual CPFL), responsável por diversas violações de direitos humanos e degradações ao meio ambiente no Cumbe (Aracati – CE), financiado em 50 milhões doláres pelo Nordic Investment Bank-NIB, instituição financeira constituída pelos países-membro europeus Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega, Suécia, Estônia, Letônia e Lituânia.

Andréa destaca ainda que mesmo passados quase vinte anos desde a instalação dos primeiros empreendimentos eólicos no estado, apesar das diversas denúncias, tratativas e normativas implementadas para mitigar os impactos causados, o que vê-se em 2024 é o mesmo modus operandi, a exemplo do atual projeto Complexo Eólico Ventos de Acaraú, da Scatec Brasil Energia LTDA, com 99,90% de participação no projeto e Ventos de Acaraú Geradora de Energia LTDA, que possui 0,10% de participação no projeto, que atualmente ameaça 18 comunidades na região de Acaraú-CE. Esse projeto encontra-se na fase de tentativa de obtenção da licença de instalação, que é a segunda etapa do processo de licenciamento ambiental (são três etapas, na ordem: licença prévia – LP, licença de instalação – LI e  licença de operação – LO) para a  implementação efetiva. O pedido de licença de instalação do empreendimento eólico Ventos de Acaraú encontra-se suspenso por recomendação do Ministério Público estadual devido a falta de audiências públicas que informem sobre o empreendimento para a população das comunidades localizadas na Área Diretamente Afetada, tendo sido retirada de pauta do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Coema) até que as recomendações sejam efetivadas.

Impactos sobre meio ambiente e violações de direitos das comunidades no Ceará provocados por  empreendimentos eólicos no Ceará.

Diversos são os estudos que comprovam os impactos e violações de direitos provocados por empreendimentos eólicos. Para citar alguns recentes, “Percepção dos impactos socioambientais causados por geradores eólicos no estado do Piauí, Nordeste e do Brasil” (Araújo e Gorayeb, 2023), a publicação “Impactos socioambientais da cadeia produtiva da energia eólica na comunidade tradicional de Caetanos de Cima (Amontada – Ceará)” (Instituto Terramar e Júlio Holanda, 2022), o artigo “Impactos E Danos Socioambientais Da Energia Eólica no Ambiente Marinho-Costeiro no Ceará” (Instituto Terramar e Fundação Rosa Luxemburgo, 2023) e a importante tese “Implicações socioambientais dos estudos ambientais (ras) utilizados no licenciamento ambiental de parques eólicos no Ceará – Brasil” (Meireles, 2020). Ainda sobre a potencial ameaça das eólicas offshore, temos a recente tese “Perspectivas da Pesca Artesanal e os Potenciais Conflitos com a Energia Eólica Offshore” defendida por Regina Balbino este ano e o artigo “Desafios emergentes da energia eólica offshore no Sul Global: Perspectivas do Brasil” (Soraya Tupinambá e Júlio Holanda, 2024).

Alguns dos já estudados e comprovados impactos dos empreendimentos eólicos são: Alteração da paisagem, degradação das dunas e redução da disponibilidade de água doce,  impactos na fauna, a erosão do solo, alterações nos ecossistemas, desmatamento e fragmentação de habitat, impactos territoriais às comunidades locais, impacto das infraestruturas das usinas eólicas às comunidades e famílias, o ruído e sombreamento de aerogeradores prejudiciais à saúde humana, conflitos pela terra e contratos de arrendamento injustos, mudanças na economia local,  migração e fluxos populacionais, a subempregabilidade, o abandono parental e exploração sexual das mulheres no contexto da instalação dos megaprojetos e perseguição e a ameaça de vida e integridade das lideranças comunitárias. Segundo estudos, seguindo a mesma linha, os empreendimentos eólicos previstos para instalação no mar (os chamado offshore) poderão causar danos aos ecossistemas e biodiversidade marinha e costeira e à pesca artesanal, uma das principais atividades econômicas do estado, podendo gerar insegurança alimentar e econômica para diversas famílias que sobrevivem direta ou indiretamente da pesca. Outros desafios incluem contratos de terra com cláusulas abusivas, insegurança territorial e conflitos agrários.

No quilombo do Cumbe, segundo lideranças quilombolas, a chegada da empresa foi uma surpresa, sem diálogo ou informação adequada. A comunidade pesqueira além de vir sofrendo com as alterações de ecossistema e violações de direitos listadas acima, perdeu quantitativa e qualitativamente o acesso à água potável, perdeu também o acesso livre e irrestrito ao mar e o acesso ao cemitério centenário do território, cercado pelo empreendimento eólico. Contraditoriamente, a associação quilombola não consegue sequer ligar o freezer da cozinha comunitária devido ao alto preço da energia, deixando de beneficiar o pescado por esse motivo. 

Um acordo internacional recorrentemente violado nos empreendimentos eólicos no Ceará é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que exige que o Estado realize a Consulta Prévia, Livre e Informada junto aos povos e comunidades tradicionais quando qualquer empreendimento venha a alterar ou adentrar seu território e modos de vidas. Essa consulta não ocorreu nos empreendimentos que se implementaram no Ceará na maneira como consta na Convenção, e quando ocorre, é sem informação, sem respeito ao tempo e modo de vida de cada comunidade, e ao direito de autodeterminação dos povos e de seus territórios.

Sobre a Iniciativa Tolerância Zero:

A ZTI (Zero Tolerance Iniciativa) foi fundada no Fórum da ONU em 2019. É uma coligação global liderada por povos indígenas, representantes das comunidades locais e ONG de apoio que trabalham coletivamente para abordar as causas profundas dos assassinatos e da violência contra os defensores dos direitos humanos ligados às cadeias de abastecimento globais.

A iniciativa visa apoiar as comunidades no reforço da sua capacidade de defesa e de responsabilização de empresas e investidores. Apoia-os no envolvimento significativo com os Estados, as empresas e os investidores na procura de compromissos de tolerância zero verificáveis ​​e eficazes contra as represálias dos defensores dos direitos humanos ambientais, e na implementação de políticas que concretizem esses compromissos.

Foto: Andréa Camurça.

Postado originalmente no portal https://demaosdadas.org.br/